segunda-feira, 23 de março de 2015

Um dia ele não acordou

Um dia ele errou. Jurou nunca mais errar.
Erro bobo jurar o que não pode cumprir, dizia ela.

Um dia ele chorou. Exatamente porque não cumpriu o que prometera.
E varreu seus cabelos semanas depois de seu banheiro sujo.

Haviam mais cômodos abandonados; haviam pêlos em seu rosto.
Olheiras, espinhas, roupas sujas.

Um dia ele desistiu de sonhar, achou que era conto de fadas.
Cantou músicas tristes, chorou momentos passados.

Um dia quebrou os espelhos. Nunca mais olhou pra si.
Exigia amor, mas não dava-se. 

Dormiu por ai, matava-se aos poucos.
Dizia até que não acreditava em Deus.

Num dia qualquer o sol queimou sua face e formigas morderam seus pés.
Acreditava que não merecia ser feliz.

Levantou sua voz à quem precisava de confiança
Nunca foi feliz.

E num certo dia dormiu sem acordar.
Até sangrou um tanto no chuveiro.

Sempre só, desacreditado, não acreditou que ali estava no colo de Deus.
E Ele enxugou suas lágrimas. Curou suas feridas.

-Sai pra lá, alucinação, em voz alta.
Despertou em sua cama, agradeceu, e jamais viveu de novo aquele pesadelo.

16-03-2015

Insensatez

É insensato; obervo.
É turvo e tenso.

​Paira sobre minha visão algo nebuloso. Incrédulo.

Sinto receio, sinto culpa.

Tentei ligar por toda manhã, desde cedo. Recebi um sms: Falta de bateria.
Falta de empatia também.

Esquecestes, não há problema.

Infelizmente preciso de um pouco mais de segurança. De menos instabilidade. Preciso de verdade pra ter a certeza de que estou tomando a decisão certa.

Daí durmo e sonho. Sonho e acordo. Vezes suado, noutras assustado.

Ainda há um buraco na minha razão e a emoção torna meus pensamentos inquietos.
Impiedosamente turvos.

Gostaria tanto de não pensar o que penso. De não ter lido o que li. De não ter passado pelo que passei.

Gostaria tanto que nada disso tivesse acontecido.
E gostaria de sequer precisar te escrever isso. De sequer ter que duvidar da confiança que jurei ter novamente em você. Mas ainda é difícil. Tudo é difícil.

Ainda assim, continuo tentando.​


10-03-2015

sábado, 21 de março de 2015

Fobia Social

Um jovem, cabeludo, de família com muita grana, tinha a casa mais bonita e cara do condomínio de classe alta em que moravam.

Estava sempre sozinho e era observado por quase todos os vizinhos. Misterioso, pouco se sabia sobre ele, o que fazia, os lugares que frequentava e seus amigos.

Estava sempre cercado de pessoas e acompanhado de belas mulheres, fazia festas. Acreditava-se que estava sempre drogado ou bêbado.

Seus vizinhos da colina à frente da sua compraram uma luneta. Tanto o marido quanto a esposa narravam sua vida através do que observavam pela luneta. Sempre sob o pré-conceito do olhar programado a interpretar o que é visto.

​O filme segue com narração em off dos vizinhos, quase sempre falando diretamente ao espectador (fofoca) e em primeira pessoa.​

Planos abertos e panorâmicas de teleobjetivas com desfoque circular na lateral (visão da luneta).

​Paranóia dos narradores sobre ter alguém os observando, tanto nas casas vizinhas, quanto na rua. Comprar pão, jornal e mercado era um sacrifício pro marido, que desenvolveu primeiro os sintomas de fobia social, contaminando a esposa posteriormente.

No final o cabeludo ("olha lá o cabeludo" "chegou cabeludo" "tem uma van parada na frente da casa do cabeludo"

, como era chamado pelos curiosos vizinhos, morre​ em seu terraço aos olhos da luneta de seu vizinho.

(nesse momento pode-se pensar numa morte misteriosa e que vai dar uma guinada na trama, tal como "janela indiscreta" do hitchcock, com ajuda do vizinho pra desvendar o caso, ou uma morte tradicional decorrente da vida exagerada do inconsequente rapaz).

Começa o contra plangé, e a história é contada sob o ponto de vista do garotão, que agora tem nome (?), mostrando um uma pessoa totalmente diferente da narrada pelos vizinhos.

A montagem pode ser linear, mas pensando melhor acho que ficaria muito boa se fosse atemporal, com ênfase maior no no plangé do casal, pra só depois iniciar o contra plangè do garoto, no estilo de babel.

Kátia Flávia

Um bairro do subúrbio carioca. Pacato. Todos sabiam da vida de todos, mas não por fofoca. Tinham outros costumes, deixavam seus filhos com os vizinhos. Ninguém era rico, não tinha como pagar creche ou babá.
A professora Kátia era nova ali. Apesar do pouco mais de 1 ano de convívio já era da “família”. Adorava ficar com a filha de Sônia, a vizinha do prédio ao lado. Eram moradias populares, mas não um minhocão. Apartamentos pequenos de não mais que 40m2 em 3 andares ou “lances de escada”, como preferiam chamar. Sônia morava no segundo lance, suas janelas não tinham grades, e este era o maior motivo de não deixar a pequena Luiza de 5 anos sozinha.
Naquele ano de 92 as coisas não estavam boas pra ninguém. Sônia fazia faxina lá pela Tijuca. Preferia assim. Só desse jeito a inflação não comia muito de sua renda e dava até pra comprar um iogurte pra Luiza todo mês. Luiza não conseguiu vaga em nenhuma escola, e creche era quase impossível. Era educada por sua mãe e vizinhos, mas principalmente pela professora Kátia.
Kátia aparentava ser mais nova que as outras mulheres do conjunto. Dava aula em realengo, se não me engano pra uma turma de quarta série. Despertava ciúmes nas casadas e inveja nas desquitadas. Sônia, como tantas outras, era mãe solteira. No fundo o seu olhar não era de total apreço pela amiga. Havia algo de estranho que talvez nem ela soubesse.
Certa vez ficou quase 1 mês sem passar o caminhão do gás. Cada um se virava como podia. Nos finais de semana faziam os panelões e todos ajudavam. Daí surgiu o nome “Conjunto do Panelão”.  (pensei em dizer que era triste, mas se divertiam, porém é desnecessário falar o óbvio)
Numa noite sem luz Kátia presenciou o marido de Suely com uma menina bem jovem. Eram íntimos e era grosseiro, violento. Kátia estava cansada e subiu.
Fazia sempre muito calor no verão. Tinha a poeira da pracinha e a falta d’água. Era ano novo, todos estavam na rua. Parece que a favela lá de cima tinha um pessoal barra pesada. Na verdade lá nunca foi tranquilo, mas dessa vez eles davam tiros e roubaram qualquer um na rua.
Naquela noite o Beto, marido de Suely, não parava de olhar pra Kátia. No fundo ele sabia que ela o tinha visto com a menina. Uma oportunidade e lá foi ele tirar satisfação com a professora Kátia. Estava escuro, ele era mais forte. Fez ameaças. Disse que não era de hoje que ela o seduzia. Kátia tinha uma faca de cortar peru e rabanadas em uma travessa de vidro. Quebra-se a travessa no chão. Perfuram-se rins e fígado de Roberto. Agoniza até morrer.
Kátia, ensanguentada, chora e treme. Está em choque. Grita. Cala-se. Escuta fogos. Alguém a vê e pergunta o que acontecera. Beto treme de asfixia. Era seu veredicto. Kátia foge. Dá-se início a sua caçada. Vai pra casa, não sabe o q fazer, o que dizer. Nessa hora todos já sabem de seu assassinato frio ao marido de Suely. Eram amantes. Era invejosa. Todos sabiam que um dia ela faria algo assim, tava na cara.
Alguém chama a polícia, mas agora é justiça com as próprias mãos. Há paus, pedras, facões. Kátia vai pro prédio ao lado tentar ajuda com sua vizinha e amiga Sônia. Nessa hora todo o “Panelão” já sabe do perigo da assassina Kátia. Quebram todo o seu apartamento. Uma das velas ou das tochas cai no sofá e começa um incêndio.
Sônia abre a porta, é Kátia. Trêmula, ensanguentada, chorosa. As duas travam, não sabem o q fazer. Kátia tenta abraçar a amiga, que grita. O sangue de Beto está por toda a parte, na boca de Sônia, no chão, no sofá. Depois do grito, ouve-se um vaso quebrar. “Vem de lá”, alguém diz. Antes de subir pro topo do prédio a desesperada professora tranca sua amiga em casa.
Há barulhos de caça e de bombeiros. Esperta e ágil, Kátia pula para o muro e seguidamente o barranco que ficam ao lado do prédio de Sônia. Seu olhar panorâmico a levam pra uma única direção, as luzes da favela do Rosas que fica logo atrás. Lá ela estaria segura da fúria popular e da polícia que a caçavam por todo o Panelão.
Então ela sobe pelo mato até chegar a uma viela. Está suja e ainda há vestígios de sangue em sua roupa. Caminha sem saber pra onde. No final desta rua ela avista um bando. Estão armados. São pretos e jovens. Sem camisa. Gritam algo de lá várias vezes. À sua esquerda um neguinho a chama: “Ei, ei. Colé doida”. Ela para e fica estática, apreensiva. Sabe que o pessoal dali é barra pesada. Então ele completa: “Sabe onde tá o pessoal? Pra onde tu vai?”.
Então Kátia percebe que ele também não sabe pra onde vai. Passam-se segundos que demoram horas, e na esquina da esquerda vem vindo um pessoal de amarelo, também armado, enquanto o povo da frente continua a gritar e a apontar suas armas na direção de Kátia. Seu olhar denuncia tudo e ambos os lados já sabem o que vai acontecer, exceto ela.
O pessoal barra pesada do morro começa a atirar e os invasores de amarelo correm pra esquerda. Alguém chama Kátia pro lado esquerdo e completa: “Vem pra cá que nós vamos dominar tudo aqui. Vem que tá tranquilo”. E é muito tiro. A visão de Kátia embaça e ela corre na direção do barranco que a levara até ali. Os barra pesada de vermelho e sem camisa vão atrás achando que ela também é uma invasora. Os tiros passam perto, dá pra ouvir o zunido das balas.
Kátia rola barranco abaixo e consegue subir no muro do conjunto onde mora. Os tiros continuam a vir e as vozes dos barra pesada também. Ela se pendura com as mãos pro lado de dentro do conjunto, que era muito mais alto que o lado do barranco, e salta. Por sorte nada acontece. Nessa hora todo o Panelão estava em silêncio e todos os moradores deitados no chão.
A professora Kátia lembra que continua com a chave de Sônia, e decide então voltar pra casa de sua ex-amiga. Seu silêncio não levanta suspeitas e ao abrir a porta ela dá de cara com a pequena Luiza.
-Tia Kátia to com medo.
-Não fique assim, minha princesa, tá tudo bem.
-Mas a mamãe não acorda
-A mamãe me disse que estava com muito sono, mas daqui a pouco ela acorda.
Então Kátia coloca Luiza na cama e já quase não escuta os tiros e as sirenes. Está exausta e fecha os olhos por meia hora.
É quase dia. Kátia desperta com o cantar de um galo e com o carro do gás. “Não deixe o seu gás acabar. Pam pam pam pam pam pam pam pam pam. Pa ram ram ram. Pa ram ram ram”
A jovem Luiza dorme ao seu lado. Na sala a Sônia geme de dor. Sua amiga vai então ajudá-la. Seus olhos esbugalados refletem seu pavor. Era um medo inexplicável, de um lado que ela não conhecera em Kátia. Medo de ser assassinada.
Kátia coloca Sônia no sofá e trás gelo. Ela grita. Imediatamente é interrompiada. Kátia resolve então amordaçá-la. Procura uma novalgina sem sucesso. Sônia chora de dor. Acaba o gelo e Kátia não consegue explicar o que realmente havia acontecido. Resolve deixar um bilhete com os seguintes dizeres: “Me perdoe, eu não quis te machucar. Eu sou inocente, confia em mim”. Lava-se, muda de roupa e sai. Não sem antes ligar pra ambulância pedindo socorro pra amiga.
Ao descer o primeiro lance, dá de cara com Cremilda do primeiro andar, que conversa com alguém, mas não é reconhecida. Kátia volta pra casa de Sônia e novamente encontra a inocente Luiza, que estranha sua mãe estar daquele jeito e chora. Havia sangue por toda a parte.
Chega a ambulância e o desespero de Kátia a faz descer de qualquer jeito. Não sei se foi a sirene ou o falatório lá em cima. Antes de sair a jovem Luiza pede pra ir junto.
No primeiro andar encontra a porta de Cremilda aberta e a velha senhora do lado de fora do prédio procurando saber o quê acontecia. Kátia está com Luiza no colo e entra sem exitar. Tranca a porta.
Enquanto todos sobem para o apartamento de Sônia, Kátia sai pela janela do quarto que já fica a poucos passos do portão. Na sua ela era uma desconhecida e toda a história do assassinato ficara sem foco por causa da guerra na favela.
Há um caminhão de mudança e existem muitas pessoas pela rua. Sem pensar, a valente professora entra no caminhão com a apavorada Luiza. Acordam em poços de caldas. Foi uma longa noite.

Aos dezoito, a linda Luiza e sua inseparável mãe Kátia vão morar em Viçosa, que é onde Luiza vai se graduar. Kátia é cuidadosa com a filha e coruja. Mas há algo nos olhos da tia/mãe Kátia que Luiza não consegue entender.
No primeiro ano da UFV, Luiza muda com a tia Kátia. Fica rebelde, responde. Pergunta da mãe e não acredita na história que sempre ouvira de Kátia que sua mãe a abandonou. Kátia então resolve procurar por Sônia, e, pela internet, descobre a empresa em que trabalha. Resolve enviar uma carta pra antiga amiga, tanto para seu endereço antigo quanto para o seu trabalho.
Mas não poderia enviar em Viçosa, sabia que era foragida. Pede então pra uma vizinha que ia sempre à BH pra colocar a carta numa caixa de correios por lá. Inventa uma história e a convence.
Tal vizinha esquece de colocar a carta em BH, e a posta em Viçosa mesmo. Suely recebe a carta em seu trabalho, já que não morava no Panelão há mais de 10 anos, e estranha.
Cái em prantos ao saber da filha.
Agora a polícia Federal tinha pistas concretas do paradeiro da homicida e sequestradora Kátia, excluindo as pistas e boatos de que ela havia saído do Brasil.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Homem ao mar

Batimentos arritmados
água no pulmão
sou feto, sódio, chão
escurece, caminhão
adormece compaixão
sou nada, maleável
corpo que afunda,
corpo que bóia

coração

fui amor, fui paixão
fome de ladrão

cá, profundezas de um mudo
lá, escuridão

morte em aflição

Confissão de Crime

O poder leva as pessoas a fazer de tudo. A matar inclusive.
Não por sobrevivência.
O Dinheiro traz ódio, brigas, sangue.
Já matei alguém. Não por minha vontade, simplesmente por existir e participar desse jogo.
Nascemos em um tabuleiro. O poder nos obriga a lutar, a competir, a querer ser.
E sou muitas coisas que não gostaria de ser.
E não sou quem sequer conheci, eu mesmo.
Aliás, até conheci em alguns momentos de perda de ego.

Vovô era ditador. Não fosse isso eu não teria meu jatinho hoje.
Seu pai era escravagista. Ainda assim não abro mão de nenhuuma de minhas fazendas não produtivas pra mst ou índio algum.
Se pudesse faria lotes na lua.
E é, confesso, já matei alguém.
Aliás, mandei matar.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Notas metodológicas de amor..

Um fio de cabelo no ralo não é apenas um fio de cabelo
é um cabelo na cama.
Não qualquer cama
A mais cheirosa e aconchegante.

Um sorriso sob uma baixa luz fria não é a penas um sorriso
É um filme de amor.
O mais belo filme com a mais bela trilha.

Tudo é harmonioso, tudo é simples
O cheiro, o gosto. Cada um dos sentidos se satisfaz.
Havia a paixão pelas ideias, pelas palavras, pela conversa.
Havia o mito.

A paixão pelo sensorial limita o amor
Restringe seu campo de visão ao ego.
Restringe o corpo mitológico às amarras do pensamento estruturalizado.
Torna o fio de cabelo no ralo apenas um fio de cabelo; descartável.

Havia presença e telefonemas.
Houve angústia, ódio, surtos.
Fogo, guerra, rancor.
Morte sem perdão.